ALMADA NEGREIROS (1893-1970)
Temática: «Figuras e alegorias do pensamento e da literatura universal e portuguesa» Técnica: Gravuras incisas sobre placas de liós Data: 1961 (após a inauguração do edifício – 1958)
Dados biográficos Cotações em leilãoFachada do lado esquerdo
A Expulsão do Paraíso segundo a Bíblia
A Serpente, “o mais astuto dos animais” olha para o Anjo, cujas asas estão cobertas de olhos – como que alusão à omnipresença divina; erguendo um archote, a Serpente aponta o caminho que Adão e Eva devem seguir, ao que partem, cabisbaixos e envergonhados da sua nudez após a transgressão que cometeram. ( 1 )
Passagem do livro a que se refere
«E o Senhor Deus o lançou fora do paraíso de delícias, para que cultivasse a terra, de que tinha sido tomado.» – in Genesis cap. 3 vers. 23 de «Biblia Sagrada»( 12 )
“Prometeu Agrilhoado” atríbuida a Ésquilo
Numa discussão sobre as partes do corpo de um animal que deviam ser sacrificadas aos deuses Prometeu convenceu Zeus a escolher os ossos e a gordura, em vez da carne. Para se vingar, Zeus retirou o dom do fogo do mundo, causando grande sofrimento à humanidade. Por sua vez, Prometeu roubou fogo ao Sol e devolveu-o ao mundo. Furioso, Zeus amarrou Prometeu a um pico rochoso do Cáucaso , é atacado pela enorme águia, ave simbólica de Zeus, que lhe devora incessantemente o fígado, o qual dia após dia se renova, castigo de Zeus, pela traição de Prometeu.( 1 )
“Odisseia” de Homero
O confronto entre Posídon e Ulisses , numa ambiência marítima , em que o “Sacudidor da Terra”, com os pés na água é identificado pelo tridente e por uma rede de pesca que lhe cobre as costas, e Ulisses, que o observa em terra, pelo seu arco oferecido por Ífito – que apenas ele conseguia manejar – e pelas vestes e sandálias helénicas .( 1 )
“A Eneida” de Virgílio
Episódio relatado a Eneias durante a sua catábase : Palinuro, seu timoneiro e o único que pereceu durante a viagem a Itália, lançado aos mares pelo Sono , aparece desnudo e agarra-se a um leme, único despojo do barco que se afunda no mares, tendo desaparecido outra parte do navio à qual se agarrava no desenho do estudo.( 1 )
fachada seguinte (frontal)
Santo António de Lisboa
De cabeça tonsurada e envergando o hábito franciscano. Segura o Menino Jesus desnudo sobre um livro Menino Jesus desnudo sobre um livro e, na mão direita, traz o lírio , característico da sua Iconografia 1
S. António - Dados biográficos
Santo António de Lisboa, também conhecido como Santo António de Pádua é, depois de S. Francisco de Assis, o mais popular dos Santos franciscanos.
Nasceu em Lisboa em 1195 e apenas esteve em Pádua nos últimos anos da sua vida. Depois de ter estudado no Convento de Santa Cruz, em Coimbra, ingressou em 1220 na Ordem dos Frades Menores, onde trocou o seu nome Fernando por António.
Morreu em Pádua aos 36 anos em 1231. Foi canonizado um ano depois.
“Divina Comédia” de Dante
O poeta surge do lado direito da composição, segurando um livro com a letra grega Phi – O número de ouro – numa das páginas e apontando para a sua obra com a mão direita. Dante é o guia desta viagem de descida aos círculos dos “reinos eternos”: vêem-se as três partes que compõem a obra: Inferno, Purgatório e Paraíso, povoadas por figuras esquemáticas – tanto as condenadas aos Infernos, por trás de uma muralha, como as que sobem as montanha do Purgatório em direcção aos céus estrelados, que o poeta vai encontrando ao longo da viagem. No topo, duas personagens esquemáticas, Dante e e Beatriz , que purificadas, ascenderam ao Paraíso, representado por sete linhas que se reportam aos sete céus móveis e o oitavo céu fixo, as estrelas.( 1 )
Dante - Dados biográficos
«Durante Alighieri conhecido por Dante foi o maior poeta da Itália. Nascido em Florença, de uma família nobre, e havendo, ainda em tenra idade, perdido seu pai, foi-lhe dado um perceptor Bruneto Latini, escritor, estadista de grande reputação. Presume-se contudo que viesse a completar a sua educação em qualquer universidade, pois nenhum ramo do saber lhe era estranho, conhecendo profundamente a teologia e a jurisprudência. (…)
A ‘Divina Comédia’ foi pela primeira vez impressa em 1472; mas há seis séculos que é estudada e comentada sem ainda ter sido possível penetrar-lhe todas as profundezas.» ( 7 )
“Todo -o – Mundo e Ninguém – Auto da Lusitânia” de Gil Vicente
Duas figuras em tudo idênticas, como cópias que apenas se distinguem pela cor do contorno das vestes, o primeiro azul celeste e o segundo vermelho – na peça surgem, respectivamente como um rico mercador e como um pobre -, e pela legenda inscrita que as identifica.( 1 )
Passagem do texto
«(…)Entra Todo o Mundo, homem como rico mercador, & faz que anda buscando algua cousa que lhe perdeo: & logo após elle hum homem vestido como pobre, este se chama Ninguém, & diz:
Nin. Que andas tu hi buscando?
Tod. Mil cousas ando a buscar;
dellas nam posso achar,
porém ando perfiando,
por quam bom he perfiar.
Nin. Como hás nome, cavaleyro?
Tod. Eu hey nome ‘Todo Mundo’,
e meu tempo todo enteyro
sempre he buscar dinheyro,
e sempre nisto me fundo.
Nin. E eu hey nome ‘Ninguém’,
e busco a conciência. (…)( 21 )
D. Quixote de La Mancha e Sancho Pança de Cervantes
A figuração ante o horizonte, do delgado e seco D. Quixote de la Mancha montado no Rocinante, e do seu fiel escudeiro Sancho Pança, atarracado e balofo, sobre o seu jumento.( 1 )
Sobre D. Quixote
«Em certo lugar da Mancha, o nome amanhã o direi, vivia não há grandes anos um fidalgo, destes velhos fidalgos de lança em armeiro, adarga antiga, pileca à manjedoira e galgo corredor.
Bons três quartos de rendimento gastava-os no comer: cozido, obrigado mais vezes vaca do que a carneiro (…) o resto ia-se no vestir: saio de velarte e calças de veludilho com pantufos do mesmo pano nos dias santos; a cote, saragoça, embora da mais fina. (…)
Antes de ir mais longe é preciso que se saiba que este fidalgo, sempre que estava ocioso, e era a maior parte dos dias na roda do ano, ocupava-se em ler livros de cavalaria com tanto afinco e regalo que descurou quase totalmente o exercício da caça e o governo da fazenda.» ( 13 )
Sobre a porta de entrada
“Os Lusíadas” de Vaz de Camões
Vasco da Gama, acompanhado pela Deusa Tétis , de tridente na mão, que lhe apresenta a Cosmografia de Ptolomeu , a grande máquina do Mundo, um globo composto por dez circunferências, esferas movidas pelo mobile primeiro, centradas em torno dos Quatro Elementos: Água, Terra, Ar e Fogo. ( 1 )
Passagem sobre Vasco da Gama
«Vasco da Gama, o forte Capitão,
Que a tamanhas empresas se oferece,
De soberbo e de altivo coração,
A quem Fortuna sempre favorece,
Para se aqui deter não vê razão,
Que inabitada a terra lhe parece;
Por diante passar determinava,
Mas não sucedeu como cuidava.»
in «Os Lusíadas», canto I, 44
( 14 )Passagem sobre a grande máquina do Mundo
79
«Uniforme, perfeito, em si sustido,
Qual enfim o arquetipo que o criou,
Vendo o Gama este globo, comovido
De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: – ‘O transuto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do mundo aos olhos teus, para que vejas
Por vás e irás e o que desejas.»
80
«Vês aqui a grande Máquina do Mundo,
Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e superfície tão limada,
É Deus; mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto engenho humano não se estende.»
( 14 )Junto à composição a assinatura: “Almada 61”.
terceira fachada
“Ensaios de Sr. Montaigne” de Montaigne
A Torre de de Montaigne, na qual o autor Michel Eyquem, senhor de Montaigne, levou a cabo a escrita dos seus Ensaios, c. 1571. Esta composição atesta a deceção de Montaigne perante o estado da Humanidade, através da representação de uma fachada de castelo com duas janelas com arcos ogivais, através das quais se vislumbram apenas as suas mãos folheando um livro, deitado na cama de dossel – que na realidade se encontra na torre, situada no Périgord, envolto pela sua biblioteca que cobre a parede, único alento que encontrava, após ter desistido do cargo de conselheiro no Parlamento de Bordéus em 1570 e se ter retirado para o seu castelo com o fim de se dedicar ao culto da Musas e à escrita. Neste espaço, Almada idealizara a representação do «modo de figurar uma batalha», do Código Atlântico de Leonardo Da Vinci.( 1 )
Montaigne - Dados biográficos
«Notável escritor, filósofo e moralista francês imortalizado pelos seus Ensaios, obra de filosofia em que o autor, ao mesmo tempo que se descreve e se biografa, nos pinta tôda a humanidade, porque cada homem (um ‘sêr ondulante’, como o definiu) traz consigo a forma inteira da humana condição. Sem afirmar nem negar coisa alguma a conclusão a que geralmente chega é esta: Quem sabe? Não discutem, entretanto, Deus nem virtude.
A linguagem dêste livro admirável é um tesouro de expressões originais e pitorescas, que dá ao seu autor um dos primeiros lugares entre os grandes prosadores de França.»( 7 )
“Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto
Vê-se Arichandono, filho do Imperador do Japão enchendo uma das quatro armas com pólvora, o que viria a culminar no infligir do seu próprio ferimento.( 1 )
Passagem a que se refere
Cap. CXXXIIII – «Da honra que o Nautaquim fez a hum dos nossos pelo ver tirar com uma espingarda, e do que daí sucedeu.»
«(…)E entendendo então Diogo Zeimoto que em nenhuma cousa podia melhor satisfazer o nautoquim alguma parte destas honras que lhe fizera, nem em que lhe desse mais gosto que em lhe dar a espingarda, lha ofereceu um dia que vinha da caça com muita soma de pombas e rolas, a qual ele aceitou por peça de muito preço e lhe afirmou que a estimava muito mais que todo o tesouro da China, e lhe mandou dar por ela mil taéis de prata, e lhe rogou muito que lhe ensinasse a fazer pólvora, porque sem ela ficava a espingarda sendo um pedaço de ferro desaproveitado, o que o Zeimoto lhe prometeu e lhe cumpriu.(…)
De maneira que o fervor deste apetite e curiosidade foi dali por diante em tamanho crescimento que já quando nos dali partimos, que foi dali por cinco meses e meio, havia na terra assante de seiscentas.»( 17 )
“Hamlet” de Shakespeare
Hamlet, príncipe da Dinamarca, loiro e ricamente vestido mas sem a capa do desenho de estudo, segura a caveira de Yoric, antigo bobo do rei, acompanhado do fiel companheiro Horácio e do Iº coveiro que abre uma sepultura.( 1 )
Passagem do livro
V acto – cena I
«(…)
Hamlet – ‘E de quem era?’ (a caveira)
Primeiro coveiro – De um filho da puta completamente maluco. De quem julgais que era?’
Hamlet – ‘Não faço ideia.’
Primeiro coveiro – ‘Peste danada, que um dia me despejou pela cabeça abaixo uma garrafa de vinho do Reno. Pois esta caveira, senhor, esta caveira que estais a ver, é a de Yoric, o bobo do rei.’
Hamlet – ‘Esta?’
Primeiro coveiro – ‘Esta mesma.’
Hamlet – ‘Deixa-me ver. (Pega na caveira) Ah pobre Yoric! Eu conheci-o Horácio: Era um homem com uma graça infinita, e de uma fantasia extraordinária. Carregou centenas de vezes comigo às cavalitas, e agora, que horror só de me lembrar! Sinto revolver-se-me o estômago. Aqui pendiam os lábios que eu beijei não sei quantas vezes. Que é das tuas troças, das tuas piruetas, das tuas canções, dos teus rasgos de bom humor, que faziam explodir gargalhadas em toda a volta da mesa? Não tens um único chiste para troçares da tua careta? Que fazes aquide boca aberta? Vai ter com a minha amada, e dize-lhe que, por mais que se pinte, ficará com esta linda cara. Experimenta fazê-la rir com isto. (…)»( 18 )
“Fausto” de Goethe
O laboratório do Dr. Fausto, descrito por Johann Wolfgang von Goethe, sendo que Almada desenhou o momento em que o estudioso, junto a instrumentos e tubos de ensaio e ante um enorme livro que observa com uma lupa, assina o contrato com Mefistófeles , que disfarçado de Fausto recebe o estudante, à esquerda na composição.( 1 )
Passagem do texto
“Crime e Castigo” de Fiódor Dostoiévski
Um cavalo em movimento, que num salto provoca a queda de um homem de caracóis brancos e botas de montar, sob um céu estrelado; embora se possa reportar ao autor, dada a sua conturbada vida, tendemos para a opção de que se trate da figuração de Raskolnikov Raskolnikov, o estudante e autêntico «cavaleiro caído» da obra de Crime e Castigo, tendo em conta que, no seu conjunto foram representados trechos literários e não os seus autores, excetuando a alusão a Montaigne.( 1 )
“Eurico, o Presbítero” de Alexandre Herculano
Duas personagens centrais de “Eurico, o Presbítero”: Hermengarda, filha de Fávila e irmã de Pelágio, de longos cabelos louros, e Eurico, de costas para o observador e representado como sacerdote, após ter sido rejeitado pela amada e se ter convertido ao cristianismo.( 1 )
Passagem do texto
«O presbítero Eurico era o pastor da pobre paróquia de Carteia. Descendente de uma família bárbara, gardingo na corte de Vitiza (…)
Rico, poderoso, gentil, o amor viera apesar disso, quebrar a cadeia brilhante da sua felicidade. Namorado de Hermengarda, filha de Fávila, duque de Cantábria, e irmã do valoroso e depois tão célebre Pelágio, o seu amor fora infeliz. O orgulhoso Fávila não consentira que o menos nobre gardingo pusesse tão alto a mira dos seus desejos. (…)
A ingratidão de Hermengarda, que parecera ceder sem resistência à vontade de seu pai, e o orgulho insultuoso do velho prócere deram em terra com aquele ânimo, que o aspecto da morte não seria capaz de abater.»( 18 )
“Viagens na Minha Terra” Almeida Garrett
Frei Dinis, “homem que se fizera frade, já velho e cansado do mundo”, agarrando-se a um cruxifico com ambas as mãos, e Joaninha, “a menina dos rouxinóis” de vestido azul com xaile e avental alvos.( 1 )
Quem era Frei Dinis?
«Disse-o ele: – um homem que se fizera frade, já velho e cansado deste mundo; que vestira o hábito num tempo em que a mofa, o escárnio e o desprezo seguiam aquela profissão; que o sabia, que o conhecia e por isso mesmo o afrontara.» ( 11 )
Quem era «a menina dos rouxinóis?»
«A essas horas, Joaninha era certa em sua janela – naquela antiga e elegante janela renascença, de que primeiro nos enamorámos, leitor amigo, ainda antes de a conhecer a ela. Ali a viam as vedetas de ambos os exércitos; ali se acostumavam a vê-la com o nascer e o pôr do Sol; ali muda e queda, horas esquecidas, escutava ela o vago cantar dos seus rouxinóis, talvez absorta em mais vagos pensamentos ainda…
E dali lhe puseram o nome de ‘Menina dos rouxinóis’ pelo qual era conhecida entre os campos.»( 11 )
“Soneto à Virgem Santíssima” de Antero de Quental
Uma figura feminina em oração com «olhar de piedade./ E (mais que piedade) tristeza» e um dos pés sobre uma meia-lua amarela, envolta por halos de luz que «Não era vulgar brilho da beleza/ Nem o ardor banal da mocidade…/ Era outra luz, outra suavidade,/ Que até nem sei se as há na natureza…».( 1 )
Ler soneto
«Num sonho todo feito de incerteza,
De nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…
Não era vulgar brilho da beleza,
Nem ardor banal da mocidade…
Era outra luz, era outra suavidade,
Que até nem sei se as há na natureza…
Um místico sofrer…uma ventura
Feita só de perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira…
Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!»
( 16 )“Correspondência de Fradique Mendes” de Eça de Queirós
Observa-se um esguio Eça de Queirós, que contrasta com o vigoroso «super-vencido da vida» Fradique Mendes; ambos de fato completo e cartola, distinguem-se pela compleição e postura, oposição entre a personagem ficcionada e a realidade humana – o excelso Carlos Fradique Mendes interpela directamente o observador, pleno de vitalidade num gesto pujante de tirar a capa, em contraponto ao franzino e cabisbaixo Eça, que enverga o seu característico monóculo e a cartola nas mãos.( 1 )
Quem é Fradique Mendes
“Fradique Mendes, reputado pelos seus sósias o português mais interessante do século XIX, o mais acabado produto da civilização, caixeiro do comércio de tôdas as filosofias e de todos os sistemas, apetrechado como ninguém para triunfar na Arte e na Vida (…)
Eça inventara-o há 20 anos, com Antero e Batalha Reis. (…)
A personalidade de Fradique Mendes é a soma numérica dos valores mentais do grupo, que apeteceram a Eça para a sua alquimia de pesquisador de oiro, é o feixe de tôdas as ideologias que entre eles chocaram, numa camaradagem admirável, é o «cliché» fantasista e ousado dos Onze do Bragança, acrescentado pela sombra de Antero nas crises mentais sofridas ao contacto das realidades. (…)”( 23 )
Eça de Queirós - Dados biográficos
«Filho ilegítimo de um magistrado, também escritor, a sua vida recorre sem romance, primeiro como estudante em Coimbra, depois como administrador de Concelho em Leiria e a partir dos 27 anos como diplomata em Cuba, Newcastle e Paris. Viajou pelo Médio Oriente , onde assistiu à inauguração do canal do Suez, e pela América do Norte. Casou aos 40 anos com uma senhora da aristocracia. Morreu em Paris onde residira nos últimos 12 anos da sua vida. (…)
O conhecimento do realismo de Flaubert, a influência do cenáculo de Antero e a leitura atenta de Proudhon, deram a Eça em cerca de 1870, uma estrutura ideológica…e armaram-no com uma concepção definida da missão do escritor.
Na sua conferência do casino,*além de fazer a crítica do Romantismo sob o aspecto formal, procurou definir o papel moral e social do artista, que Segundo Eça consistia em retratar objectivamente a realidade social com o fim de contribuir para o melhoramento dessa mesma realidade. A sua frase “ABAIXO OS HERÓIS ! “…resume uma das noções básicas do romance realista : O Homem é um resultado , uma conclusão e um produto das circunstâncias que o envolvem. “
( 5 )Homenagem a Fernando Pessoa
Os três heterónimos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, individualizados e identificados por legenda: «mestre» Caeiro de fato e olhos azuis, cabelo castanho curto, ao invés do «louro sem cor» apontado por Pessoa; o esguio Ricardo Reis de óculos e sobrancelhas franzidas, cruza os braços pelas costas, com diploma de médico no bolso, que segundo o imaginário pessoano seria «um pouco (…) mais baixo, mais forte e mais seco» do que Caeiro e a figura composta pelo engenheiro naval Álvaro de Campos, de monóculo referido por Pessoa e pasta na mão, a outra dentro do casaco, de ar resoluto e pensativo.( 1 )
«A génese dos heterónimos»
(De uma carta a Adolfo Casais Monteiro)«Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram (Não sei, bem entendido, se realmente existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas coisas, como em todas, não devemos ser dogmáticos). (…)»( 1 )
- Ricardo Reis
«Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas coisas em verso irregular (não no estilo de Álvaro de Campos, mas num estilo de meia irregularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido sem que eu soubesse, o Ricardo Reis).»( 15 )
- Alberto Caeiro
«Ano e meio ou dois anos depois (1914) , lembrei-me um dia de fazer uma partida a Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já não me lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira – foi em Março de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título ‘O guardador de rebanhos’. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem desde logo dei o nome de Alberto Caeiro.
Desculpe-me o absurdo da frase: apareceu em mim o meu mestre.(…)»( 15 )
- Álvaro de Campos
« (…) Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajudei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a ‘Ode Triunfal’ de Álvaro de Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem. (…) Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria»( 15 )
Homenagem a Fernando Pessoa – “O menino de sua mãe”
Por fim o «menino de sua mãe» personagem do poema homónimo, jovem soldado «De balas trespassado/ Jaz morto, e arrefece», com a cigarreira que lhe caiu da algibeira tombada a seu lado.( 1 )
Ler poema - «O menino de sua mãe»
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado-
Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho unico, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe.»
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço… deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
“Que volte cedo, e bem!”
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto e apodrece
O menino da sua mãe
– fonte: publicado na revista Contemporânea, III Série, n.º 1, em 1926.( 19 )Fernando Pessoa e Almada Negreiros tinham uma grande cumplicidade.
Curiosamente, em 1970, um ano depois de concluir o painel «COMEÇAR», para a Fundação Gulbenkian, morreu no Hospital de S. Luís, no mesmo quarto, onde em 35, morrera Fernando Pessoa.
Bibliografia
Literatura especializada
- 1. Os textos descritivos deste trabalho são citações ou adaptações do livro “A cidade do Saber – O património artístico nos edifícios de Pardal Monteiro para a Cidade Universitária de Lisboa (1934-1961)” de Ana Mehnert Pascoal, 1ª edição Março de 2012, Universidade de Lisboa. Agradecemos à autora a generosa autorização para os incluirmos neste trabalho;
- 2. “Iconografia del arte cristiano”, Louis Réau, 1ª edição, 2000, Ediciones del Serbal, S.A.
- 3. “Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira da Cultura”, edição século XXI;
- 4. “A linguagem secreta da arte – a explicação dos códigos e símbolos cifrados na pintura ocidental”, Sarah Carr-Gomm, Editorial Estampa, Lisboa, 2003;
- 5. “História da Literatura Portuguesa” de António José Saraiva, António José Saraiva e Óscar Lopes,16ª edição . Porto Editora;
- 6. “Dicionário de literatura”, Direcção de Jacinto do Prado Coelho, Livraria Figueirinhas, Porto, 1971
- 7. “Dicionário Universal de Literatura”, de Henrique Perdigão, Barcelos, Portucalense 1934;
Aprender em família
- 8. “Introdução à mitologia grega”, David Bellingham, Editorial Estampa
- 9. “Dicionário de mitologia grega e romana”, Joël Schmit, Edições 70, LDA. Abril de 2011, 1ª edição;
- 10. “Comentar Mitos e Lendas – Os mais importantes mitos e lendas do mundo analisados e explicados”, Neil Philip, Livraria Civilização Editora, Dezembro de 1998;
Obras literárias – Passagens referidas
- 11. “Viagens na Minha Terra”, Almeida Garrett, Bertrand Editora Lda., Maio 2010, ISBN: 978-972-25-2157-4;
- 12. “A Bíblia Sagrada – contendo o Velho e o Novo Testamento”, Sociedade Biblica do Brasil, Rio de Janeiro, 1955, da edição aprovada em 1842 pela rainha D. Maria II com a consulta do patriarcha arcebispo de Lisboa;
- 13. “D. Quixote de La Mancha – versão de Aquilino Ribeiro”, Miguel de Cervantes, Bertrand Editora Lda., Novembro de 2010, ISBN: 978-972-25-2236-6;
- 14. “Os Lusíadas”, Luís Vaz de Camões, Círculo de Leitores Lda., 1972 (Edição comemorativa do IV centenário da 1ª publicação), Depósito legal: B. 18777-1972;
- 15. “O rosto e as máscaras – Textos escolhidos em verso e em prosa. Antologia cronológica, organizada e preparada por David Mourão-Ferreira”, Edições Ática Lisboa, Maio de 1976;
- 16. “Antero de Quental – Poesia completa”, Círculo de leiltores, 1991, Nº de edição: 3110, ISBN: 972-42-0289-5 – “Soneto à Virgem Santíssima”, pag. 267;
- 17. “Peregrinação”, Fernão Mendes Pinto – Publicações Europa-América, Lda. Edição nº 149605/6727, Março de 1997;
- 18. “Hamlet”, de Shakespeare, Editorial Verbo, Lisboa 1972;
- 19. “O menino de sua mãe”, Fernando Pessoa publicado na revista Contemporânea, III Série, n.º 1, em 1926;
- 20. “Eurico, o Presbítero” de Alexandre Herculano, leitura didáctica de Maria de Lourdes Alarcão e Maria do Carmo Castelo Branco, Porto Editora, ISBN 972-0-30142-2, Abril 1991;
- 21. “O Auto da Lusitânia” de Gil Vicente, ISBN: 972-794-218-0, Primeira edição Novembro de 2003, Hugin Editores lda.;
- 22. “O escaparate de todas as artes ou Gil Vicente visto por Almada Negreiros : exposição comemorativa do centenário do nascimento de Almada Negreiros”, Museu Nacional do Teatro; Vítor Pavão dos Santos (co-autor), 1997;
- 23. “Fradique Mendes – Símbolo dos Vencidos da Vida” -Última conferência da série organizada pelo jornal “O Século” feita no seu Salão de festas, em 12 de Abril de 1941, Gustavo de Matos Sequeira, Lisboa, 1942
- 24. “Fausto”, Johann W. Goethe, tradução, introdução e glossário de João Barrento, Relógio d’Água Editores, Maio de 2013;
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